Ao cantar Tim Maia, Renato Braz voa no álbum ‘Canário do reino’ na altitude habitual do grande intérprete paulistano
13/10/2025
(Foto: Reprodução) Renato Braz canta 15 músicas do repertório de Tim Maia (1942 – 1998) no álbum ‘Canário do reino’
Beatriz ID / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Canário do reino – Uma homenagem a Tim Maia
Artista: Renato Braz
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Cantor da linha tradicionalista de Dori Caymmi, o paulistano Renato Braz chegou tarde no mercado da música, em meados dos anos 1990, quando a MPB já não dava as cartas no jogo fonográfico.
Na ala masculina, Braz simboliza o que a conterrânea Mônica Salmaso representa no universo feminino da MPB. Ambos têm grandes vozes postas a serviço de uma música de beleza atemporal, mas já sem força mercadológica. Só que parece faltar a Braz habilidade e disposição para atrair os seguidores da MPB, como fez Salmaso. Tanto que o álbum Canário do reino – Uma homenagem a Tim Maia chega ao mundo hoje, 13 de outubro, quase em silêncio com 15 faixas produzidas por Braz com Mário Gil.
Somente por trazer a última gravação de Nana Caymmi (1941 – 2025) – cujo canto de cisne em A lua e eu (Cassiano e Paulo Zdanovski, 1975) sucede a abordagem de Azul da cor do mar (Tim Maia, 1970) no medley da faixa final – o álbum já merece atenção. Contudo, Braz surpreende e voa em Canário do reino – na altitude permitida pela alma tradicionalista do cantor – ao dar voz grave e afinada ao repertório de Tim Maia (1942 – 1998), um dos pilares do soul e do funk brasileiros que irromperam no alvorecer da década de 1970.
Escorado em arranjos e/ou vocais geralmente exuberantes, o cantor apresenta grandes e comportados registros de Eu amo você (Cassiano e Silvio Roachel, 1970) e Você (Tim Maia, 1969), duas baladas embebidas na atmosfera soul.
Entre uma e outra, Braz exibe certa bossa nos pulos de A rã (João Donato e Caetano Veloso, 1974), música nunca associada ao vozeirão de Tim, mas gravada pelo Síndico no álbum Tim Maia interpreta clássicos da bossa nova (1990), do qual Braz também fisgou Eu e a brisa (Johnny Alf, 1967), música que reaviva em feat majestoso com Áurea Martins. O arranjo de A rã tem um toque de jazz.
O álbum Canário do reino é tributo de um grande cantor para outro da mesma dimensão, embora a voz de baixo-barítono de Tim Maia tivesse tessitura inigualável e uma alma que às vezes inexiste no canto tecnicamente irretocável de Braz.
Em voo inusitado diante da discografia anterior de Braz, o cantor evoca os Pífanos de Caruaru no arranjo do baião-soul Coroné Antonio Bento (João do Vale e Luiz Wanderley, 1970). Unida em medley com Você e eu, eu e você (Juntinhos) (Tim Maia, 1980), funk cantado por coral feminino, Sossego (Tim Maia, 1978) soa na voz de Braz como cover de Tim até seguir o baile com citação sagaz de Billie Jean (1982), hit de Michael Jackson (1958 – 2009) no álbum blockbuster Thriller (1982).
Com toque de samba na introdução em que Braz saúda ícones da black music como Tony Tornado, Carlos Dafé, Cassiano (1943 – 2021), James Brown ((1933 – 2006), Gilberto Gil e o mencionado Michael Jackson, além de João Gilberto (1931 – 2019), a gravação de Imunização racional (Que beleza) (Tim Maia, 1975) se aproxima do território do cover, assim como O descobridor dos sete mares (Michel e Gilson Mendonça, 1983), aliciante tema desbravado por Braz na introdução com vocais e uma percussão afro-brasileira até o arranjo começar a singrar na onda da banda Vitória Régia.
Cover mesmo, e pálido, é Um dia de domingo (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1985), balada cantada por Braz com Beatriz ID, esta na parte que coube a inigualável Gal Costa (1945 – 2022) na gravação original feita por Tim para disco de Gal. Samba-canção gravado por Tim no segundo álbum, em 1971, Preciso aprender a ser só (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1965) ressurge classudo no canto de Braz, com arranjo à meia-luz calcado no piano e no sopro, mas sem o toque de soul de Tim.
Surpresa da seleção do álbum Canário do reino, o samba-soul Over again (Tim Maia, 1973) mostra que Braz conhece bem (ou pelo menos pesquisou bem) a obra do homenageado.
Se Chocolate ganha a voz solo de Rafael Sales Brito, em gravação que busca o ar lúdico da infância, Neves e parques (Michel e Gilson Mendonça, 1983) é joia rara da discografia de Tim lapidada pela voz de Braz enquanto Só é poema de Edgar Allan Poe (1809 – 1849) recitado por Augusto de Campos como preâmbulo para o canto límpido de Azul da cor do mar. E então ouve-se a voz de Nana Caymmi em A lua e eu sobre o piano de Cristovão Bastos.
Cabe ressaltar que Tim Maia nunca gravou A lua e eu, mas a faixa evoca a alma e o soul deste cantor carioca que habitou universo musical distinto do macrocosmo da MPB de Renato Braz e Nana Caymmi, mas, como a música brasileira desconhece fronteiras, o álbum Canário do reino harmoniza dois mundos com a beleza da voz deste cantor de espírito tradicionalista.
Capa do álbum ‘Canário do reino’, de Renato Braz
Divulgação